Outra vez a falar de carros.
Desculpem, mas antes carros do que mulheres, sexo ou copos. Julgo que este meu
gosto pelas máquinas de quatro rodas decorre do facto de a Revista Mundo
Motorizado, ter posto à venda o seu número 1 no dia 15 de Outubro de 1961.
Coincidência ou acaso divino? Pense-se e conclua-se. Contudo não deixa de ser
curioso.
Se calhar, por isso é que juntei
o gosto pelos motores ao da arte da escrita e especializei-me, primeiramente,
em automobilismo, depois em cultura e finalmente em tudo e coisa nenhuma. Mas
vamos ao que interessa.
Por volta dos meus 30 anos deu-me
na tola comprar um carro, porque quase todos os meus amigos tinham um, ou
quase. Foi a mesma atitude ditatorial, da puberdade. Quando tinha as bolas de
futebol e as emprestava, tinha que jogar, como seria previsível. Embora a idade
fosse diferente, o objectivo era o mesmo. Se nem sempre podia participar porque
não me davam hipótese, sendo eu o dono da coisa, participava e tinha a vantagem
de escolher quem queria que partilhasse os momentos comigo. Se no caso da bola,
eram quase sempre escolhidos os mais lerdos que eu, pois assim podia
evidenciar-me, com o carro a escolha foi mais pelas garinas mais atiradas para
a frente, independentemente da idade. É quase o mesmo. Mas adiante.
O primeiro que comprei, mas nem
sequer deu para o usar foi um Citroen Mehari. Consegui perceber que ser
intermediário era mais vantajoso do que proprietário. Assim, aconteceu porque,
um amigo meu ao falar de um amigo dele que queria um carro assim, mas não
encontrava ninguém que tivesse um para venda, e eu ao ter conhecido um fulano
de Setúbal que tinha um e mo ia vender, juntei o útil ao agradável e servi de
intermediário. Utilizei o carro ‒ não o conduzi, mas o Olindo Dias,
grande amigo de Monte Abraão, vizinho da prima da cantora Gardénia e ambos
vizinhos no prédio onde o Zandinga (um parapsicólogo a que chamavam bruxo)
tinha o escritório, conduziu-o por mim. ‒ Foi uma gozação, como se dizia no
início dosa anos 90.
O carro era um espectáculo;
carroceria em plástico com peças amovíveis. O meu, que nunca o foi mas pode-se
dizer que, também, foi, por exemplo, era amarelo, com as duas portas brancas e
a tampa do capot cor-de-laranja. Tinha uma lona, que quando retirada, o
transformava num descapotável. E era ver a garinada toda excitada para ir até
ao bosque mais próximo ou à praia deserta mais acessível para umas voltas. O
carro transportava sem dificuldade seis pessoas desde que não muito
volumétricas. Naquele tempo, toda a gente era bem esquelética, por sorte. Mas a
loucura com o carro durou cerca de um mês. Vendi o carrito e acabou-se a
confusão.
Curiosamente, nem foi o carro que
eu havia seleccionado como favorito, neste segmento engraçado. Nos finais dos
anos 80 e início dos anos 90 ainda eram comuns os Mini Moke e os Volkswagen
Buggy, e este último era o meu preferido. Nunca encontrei nenhum disponível e a
funcionar.
Uns meses depois, aquando da
minha deslocação para o Liceu de Queluz, vindo da Amadora, deparei com um
carro, com a parte de trás tipo Porsche. Foi amor à primeira vista. Tratava-se
de um Morris Marina 1.3, de 1972, de duas portas, com suspensão invertida, com
a matrícula GG-48-46, e que nas subidas com muito peso andava p’ra caraças. O
dono tinha trazido o carro de Angola, afinado para a condução pelas picadas,
pelo que quanto mais andava na pirisca, mais estável ficava. Gastava era muito,
falo em qualquer coisa como 13 litros aos 100, em estrada e pouco mais de 16 em
cidade. Não deixa de ser curioso. Todavia como o consumo era dividido entre
todos os participantes nas voltas acabava por nem ser assim tão exagerado tal
dislate.
Todavia, nesta situação
comercial, veio um outro carro incluído no preço. O dono do Marina 1.3, tinha
um outro chaço, inoperacional, perto da casa dele em Queluz, que servia para a
obtenção de peças. O carro a canibalizar era um 1.3 diesel, de 4 portas, mas
com muitas, mas mesmo muitas peças comuns. Pneus, vidros, volante, algumas
partes do motor, grelha da frente, ópticas, entre outras eram permutáveis. As
reparações também eram uma questão de arte e engenho. Aconteceu comigo. A barra
de suporte da borboleta do acelerador partiu. A solução foi um pau de fósforo
com fita gomada. Avariava-se o fusível? Prata dos maços de tabaco enrolada num
pau. Coisa fantástica naqueles saudosos anos loucos.
Esse sim, foi registado,
legalizado e foi meu. Nunca tive problemas em andar ou ter coisa em segunda mão
porque habituei-me com uma certa idade a que as mulheres, também, eram todas
assim.
A compra que eu queria fazer
acabou por ser uma oferta do papá, que como tenho escrito em diversas memórias,
sempre apoiou os desvarios do filho. Deus (se existir) que o tenha em descanso.
Com o Marina, ao contrário do
outro, andávamos quase sempre os mesmos quatro na doidice. E, no meu caso, com
um extra importantíssimo. O Dias, operacional da Carris, não fumava nem bebia
álcool, pelo que havia sempre alguém responsável e excelente condutor para
trazer a malta de volta, normalmente bem alegres e completamente eufóricos.
O carro acabou por ser abatido
pela Câmara da Amadora, ilegalmente, sem autorização e à revelia do dono.
Entretanto, tinha-me casado, com aquela que acho que viria ser a mãe dos meus
filhos mais novos, e como ambos éramos desencartados, acabaram-se as voltas e as
noitadas de borgas.
Nunca mais comprei um carro.
Espero que se, a mulher me deixar, e voltar a comprar um, tenha a sorte de
encontrar outro Marina de 2 portas, para ao kitar e transformá-lo numa ganda
máquina tunning, a moda dos anos 2000. Ah pois! Sonhar é possível, mas a
vontade é que já não é muita.
Texto: Fernando de Sucena
Imagens: Arquivo/Produtores
Reunidos

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