Já falei, aqui neste espaço, das minhas aventuras futebolísticas. Contudo, não fui praticante de apenas uma modalidade. Pratiquei, entre outras, Pesca Submarina; Futebol de 5; Râguebi; Futebol de Salão; Damas; Boxe e Corta-Mato.
Dessa época épica, numa fase alienada, como é a da
juventud, de toda a juventude, guardo muitas coisas boas e algumas más, mas, sobretudo, recordações de gente, de lugares e de actividades, irrepetíveis, como tudo, aliás, na vida.
Entre os 16 e os 30 anos, fui um acérrimo defensor do direito ao desporto. Se, por diversos motivos, sempre fui um praticante de desportos violentos, quiçá, por uma necessidade de combater stress. Do boxe, na altura praticado no Ateneu, onde estudou a minha querida esposa entre 1984 e 1987, e onde treinei durante entre 1982 e 1984 com interrupções, é certo. Treinos cansativos, que puxavam pelo corpo e pelo espírito. Era importante, porque na época, ser praticante desta modalidade, ou de artes marciais, era uma forma de as pessoas se defenderem. Nunca foi necessário tal. Com o boxe, aprendi a respeitar o adversário, a sentir o esforço da luta dentro da legalidade e a perceber que o treino aperfeiçoa e eleva.
No boxe, a elevação advém do secundarizar a dor, primar o esforço elevando a mente a patamares habitualmente desprezados. Apesar de ser uma modalidade individual, o boxe permitiu-me admirar o adversário, pelo mérito do esforço despendido no objectivo comum de vencer. Valorizar o outro, é o mais importante. O pior de tudo, eram as dores de cabeça causadas pelas pancadas. Não me posso queixar muito, porque nunca entrei num combate a sério, mas que aquilo dá cabo da tola e prejudica, a longo prazo, a saúde do atleta.
Também no boxe, uma das modalidades mais antigas, a par da luta greco-romana, aprendi a dosear o esforço, a aguentar os primeiros assaltos que desgastam o adversário, e depois,-a contra atacar de forma decisiva. Aguentar o embate inicial, estudar o adversário e a estratégia, para equilibrar e depois, atacar depressa e sem dar espaço a recuperações. Esta foi a estratégia que passei a utilizar na minha vida do dia-a-dia.
Foi uma fase, mas importante.
Depois do râguebi, do boxe e da pesca submarina, passei para coisas mais comezinhas: Futebol de Salão e Futebol de 5. Até ser explícita e definitivamente proibido de praticar modalidades que exigissem rotações rotulianas rápidas, que pudessem provocar tendinopatias rotulianas e subsequentes problemas ósseo-musculares que agravassem a possibilidade de ficar gravemente debilitado. Além de que, numa consulta de rotina quando tinha 17 anos, num centro de medicina desportiva lisboeta, me foram diagnosticados problemas ósseos, que me impediram de optar por carreiras e profissões ligadas ao esforço desportivo.
Nestes anos loucos, fundei o CEDECA – CEntro DEsportivo e Cultural da AmadorA, através do qual constitui equipas de jogos de salão e de modalidades grupais pequenas. Como desportista em declínio, juntei uma série de amigos do bairro e de outras demandas e constituí uma equipa de futebol de 5 que por vezes, contra outras equipas de bairro, praticava futebol de salão. Não havia, prémios, nem treinador, nem campeonatos. Era praticar o desporto pelo desporto, pela amizade e pelo gosto de desafios, um pouco como os princípios de Monsieur de Cobertain, o fundador no novo movimento olímpico….
Todos os sábados à noite no parque central da amadora, o pessoal juntava-se para umas partidas (sob chuva ou sol lá estavam os freixeiros do futebol, ate mesmo no dia em que o porto venceu com o fabuloso golo do Madger o pessoal não faltou. Era convívio, amizade e bem-estar.
Uns dias antes alguém ia á CMA liquidar o custo do aluguer do ringue com balneários e em sistema de auto gestão la vinham as chaves e a responsabilidade do CEDECA em gerir o tempo, o espaço e a acção. Amadorismo simples. Bons tempos, esses. Foram dos últimos anos em que realmente competi com algum ritmo e consistência. Agora, no momento pressente, resta a recordação desses tempos em que a juventude era o mais importante para nós e para o futuro. O futuro é sempre dos jovens. O problema é quando eles, os jovens percebem que já foram o futuro.
Quando olho para as fotografias que ainda restam no espólio fotográfico do Arquivo dos Produtores Reunidos, além da nostalgia e saudade da juventude, é triste a comparação entre o que éramos então, e o que somos agora. Esqueçam…
Antes de me aventurar nos desportos colectivos, tive a necessidade de alcançar a auto-confiança necessária que um atleta precisa de ter, para não fazer figura de urso, e se o fizer, perceber que não é um urso, mas se calhar é um parvo. Bom! Estou a referir-me ao Corta-mato. Comecei nas corridas populares, da cidade onde vivia, porque como havia muita gente conhecida a assistir o massacre das bocas era menor, pois havia sempre alguém ao meu ritmo a ouvir o mesmo, por vezes de vizinhos e colegas, tal qual eu. Com a experiência e alguma ambição, fui para outras paragens e para corridas maiores e com mais corredores e comecei a ouvir bocas destrutivas, algumas ofensivas e muito poucas de ânimo ou incentivo. Desde referências ao meu traseiro, passando por nomes circenses, perfilhações erróneas e piropos calcadores do espírito de que participar também é desporto, resolvi esmerar-me mais e aumentei a cadência do treino. E não é que resultou! Comecei a estar em grupos do meio do pelotão com vários atletas, alguns federados, pelo que as bocas eram generalizadas e dirigidas a ninguém em especial. Essa mudança fez-me tornar mais ambicioso e, a essa nova etapa desportiva juntaram-se mais amigos em especial o Olindo Dias que, duas vezes, estava ao meu lado a preparar a São Silvestre da Amadora, com treino na Matinha, em Queluz, e o retemperar do esforço com laranjas gamadas no jardim do Palácio de Queluz. Ah, pois! Quando o tempo estava mais primaveril, o treino era no areal de Carcavelos. Foi interessante porque, dava para queimar calorias, fortalecer os músculos das pernas e respirar ar fresco, pela manhã. Continuei com esta actividade até bem perto dos 35, na maioria das vezes a solo. Parei quando foram agravadas as gona-artroses, detectadas aos 18 anos e que me impediram de tentar uma carreira desportiva mais intensa e profissional. Coisas da vida. O destino não quis que eu fosse, não um Cristino Ronaldo, mas pelo menos um Calado!
Antes da corrida, tentei o râguebi, porque achei eu o futebol era pouco exigente em termos de massa muscular e movimentos corporais. Logo à partida, confrontei-me com um problema que, ainda hoje me afecta, mas no sentido inverso: O peso. Já não me recordo, do nome do treinador das camadas jovens do Técnico na altura, aí por volta de 1981. Quando fui ao primeiro treino com um amigo meu das tropelias notívagas que, praticava a modalidade, o senhor teve o desplante de se rir dos meus 80 quilos. Disse-me qualquer coisa como se quisesse jogar râguebi, a sério e sem problemas teria aumentar o peso, sob pena de me lesionar gravemente, em especial na zona dos rins, se fosse placado pelas laterias. Como me impressionava a compleição física e o porte dos jogadores séniores semi-profissionais dos clubes, cumpri um rigoroso programa, não de dieta mas de engorda, e pasme-se, em quatro meses aumentei 35 quilos, e o que é mais estranho é que só se via osso e algum músculo…
Nessa época, as equipas de tôpo eram o Benfica, a Agronomia, o CDUL e o Técnico, para referir aqueles que serviram para peladinhas de treino e que me acompanharam assiduamente durante esta experiência inolvidável. Aquilo era uma coisa à parte. Todos se conheciam porque eles eram na sua maioria estudantes universitários e colegas de curso, de bairro ou das festas estudantis. Depois, porque, ao contrário do que se possa imaginar, existe uma honradez desportiva, porque uma lesão pode ser grave e, sendo propositada, o futuro do causador fica, desde logo, marcado. Acresce, um outro factor que, parecendo de somenos importância, é fundamental: O convívio. Jogar râguebi não é atirar a oval, correr e apanhar a dita e com os outros matulões em cima. É, sobretudo, uma actividade física desgastante, bastante viril, é certo, mas que nos obriga a contar sempre com os colegas e com os adversários, pois se eles não entenderem que o que fizerem aos outros acontece-lhes a eles, o jogo torna-se violento. Sinceramente, nunca assisti a violência enquanto por lá andei. Saí dos treinos, por vezes amassado ms nunca ferido, como me aconteceu no futebol. E olhem que fui empurrado, agarrado, amassado, pisado e empurrado. Como, mesmo assim era rápido e dos mais leves, era integrante das linhas avançadas e tentava fazer pontos, fintando e esgueirando-me pelos intervalos dos defesas adversários, o que era fácil para mim pela velocidade que tinha na curta-distância. O problema que tinha era nas rotações e nas falhas na recepção. Por isso estava sempre no centro dos amontoados. Nessas situações, já são outros companheiros de esforço que tentam chegar à linha de golo e não os avançados velozes. Enfim, era o jogo.
Abandonei a modalidade, uma vez mais por motivos de saúde e, finalmente, percebi que jamais poderia ser um atleta profissional, ao contrário de alguns amigos e familiares que conseguiram carreiras no desporto. Do râguebi ficou o gosto pela camaradagem e pela união, bem como pela rapidez de raciocínio.
A última modalidade que pratiquei foi as Damas. Sempre julguei que era um gajo com uma inteligência acima da média e com 16/17 anos pensei que ganhar muitas vezes nas Damas com os pais e amigos era um super-cérebro equiparado ao mestre Kasparov do Xadrez. Ilusão. Em três ou quatro torneios que participei fui sistematicamente eliminado nas duas primeiras rondas. Mesmo com o treino, pensava eu que, poderia desenvolver e tornar-me, mais competitivo. Aprendi, pelo contrário que terei sempre de contar com a esperteza, inteligência e experiência dos outros. Primeira grande lição de vida. Ainda hoje tenho isso presente. Não ligar ao que os outros dizem, mas pensar no que dizem e agir segundo o meu raciocínio, depois de avaliar as todas probabilidades. Quase que funciona sempre. Mas, como de fracassos e sucessos se vive, acaba por ser a forma de melhorar o nosso desempenho pessoal, social e colectivo. Ganhei uma única medalha, porque apesar de ser o penúltimo, havia medalhas para todos. Foi no desaparecido Grupo Desportivo dos TLP, empresa onde trabalhava o paizinho, que isso aconteceu. Cresci e deixei as Damas, até porque nos anos 80, surgiram mais jogos de inteligência como sejam o Master Mind, e quase de imediato, a meio da década os primeiros jogos Arcade de computador e outros que tais. Acabou-se. Cresci e nunca mais joguei essas coisas. Voltei agora aos 60, ou quase, aos novos jogos instalados a partir de APP, mas isso não é desporto. Pois não!
Perdeu-se o atleta ganhou-se um escritor. Quer dizer, acho eu!
Texto: Fernando de Sucena
Imagem: Google



