quinta-feira, 29 de abril de 2021

AS MODALIDADES DESPORTIVAS DA MINHA JUVENTUDE

 

Já falei, aqui neste espaço, das minhas aventuras futebolísticas. Contudo, não fui praticante de apenas uma modalidade. Pratiquei, entre outras, Pesca Submarina; Futebol de 5; Râguebi; Futebol de Salão; Damas; Boxe e Corta-Mato.

Dessa época épica, numa fase alienada, como é a da juventud, de toda a juventude, guardo muitas coisas boas e algumas más, mas, sobretudo, recordações de gente, de lugares e de actividades, irrepetíveis, como tudo, aliás, na vida.

Entre os 16 e os 30 anos, fui um acérrimo defensor do direito ao desporto. Se, por diversos motivos, sempre fui um praticante de desportos violentos, quiçá, por uma necessidade de combater stress. Do boxe, na altura praticado no Ateneu, onde estudou a minha querida esposa entre 1984 e 1987, e onde treinei durante entre 1982 e 1984 com interrupções, é certo. Treinos cansativos, que puxavam pelo corpo e pelo espírito. Era importante, porque na época, ser praticante desta modalidade, ou de artes marciais, era uma forma de as pessoas se defenderem. Nunca foi necessário tal. Com o boxe, aprendi a respeitar o adversário, a sentir o esforço da luta dentro da legalidade e a perceber que o treino aperfeiçoa e eleva.

No boxe, a elevação advém do secundarizar a dor, primar o esforço elevando a mente a patamares habitualmente desprezados. Apesar de ser uma modalidade individual, o boxe permitiu-me admirar o adversário, pelo mérito do esforço despendido no objectivo comum de vencer. Valorizar o outro, é o mais importante. O pior de tudo, eram as dores de cabeça causadas pelas pancadas. Não me posso queixar muito, porque nunca entrei num combate a sério, mas que aquilo dá cabo da tola e prejudica, a longo prazo, a saúde do atleta.

Também no boxe, uma das modalidades mais antigas, a par da luta greco-romana, aprendi a dosear o esforço, a aguentar os primeiros assaltos que desgastam o adversário, e depois,-a contra atacar de forma decisiva. Aguentar o embate inicial, estudar o adversário e a estratégia, para equilibrar e depois, atacar depressa e sem dar espaço a recuperações. Esta foi a estratégia que passei a utilizar na minha vida do dia-a-dia.

Foi uma fase, mas importante.  

Depois do râguebi, do boxe e da pesca submarina, passei para coisas mais comezinhas: Futebol de Salão e Futebol de 5. Até ser explícita e definitivamente proibido de praticar modalidades que exigissem rotações rotulianas rápidas, que pudessem provocar tendinopatias rotulianas e subsequentes problemas ósseo-musculares que agravassem a possibilidade de ficar gravemente debilitado. Além de que, numa consulta de rotina quando tinha 17 anos, num centro de medicina desportiva lisboeta, me foram diagnosticados problemas ósseos, que me impediram de optar por carreiras e profissões ligadas ao esforço desportivo.

Nestes anos loucos, fundei o CEDECA – CEntro DEsportivo e Cultural da AmadorA, através do qual constitui equipas de jogos de salão e de modalidades grupais pequenas. Como desportista em declínio, juntei uma série de amigos do bairro e de outras demandas e constituí uma equipa de futebol de 5 que por vezes, contra outras equipas de bairro, praticava futebol de salão. Não havia, prémios, nem treinador, nem campeonatos. Era praticar o desporto pelo desporto, pela amizade e pelo gosto de desafios, um pouco como os princípios de Monsieur de Cobertain, o fundador no novo movimento olímpico….

Todos os sábados à noite no parque central da amadora, o pessoal juntava-se para umas partidas (sob chuva ou sol lá estavam os freixeiros do futebol, ate mesmo no dia em que o porto venceu com o fabuloso golo do Madger o pessoal não faltou. Era convívio, amizade e bem-estar.

Uns dias antes alguém ia á CMA liquidar o custo do aluguer do ringue com balneários e em sistema de auto gestão la vinham as chaves e a responsabilidade do CEDECA em gerir o tempo, o espaço e a acção. Amadorismo simples. Bons tempos, esses. Foram dos últimos anos em que realmente competi com algum ritmo e consistência. Agora, no momento pressente, resta a recordação desses tempos em que a juventude era o mais importante para nós e para o futuro. O futuro é sempre dos jovens. O problema é quando eles, os jovens percebem que já foram o futuro.

Quando olho para as fotografias que ainda restam no espólio fotográfico do Arquivo dos Produtores Reunidos, além da nostalgia e saudade da juventude, é triste a comparação entre o que éramos então, e o que somos agora. Esqueçam…   

Antes de me aventurar nos desportos colectivos, tive a necessidade de alcançar a auto-confiança necessária que um atleta precisa de ter, para não fazer figura de urso, e se o fizer, perceber que não é um urso, mas se calhar é um parvo. Bom! Estou a referir-me ao Corta-mato. Comecei nas corridas populares, da cidade onde vivia, porque como havia muita gente conhecida a assistir o massacre das bocas era menor, pois havia sempre alguém ao meu ritmo a ouvir o mesmo, por vezes de vizinhos e colegas, tal qual eu. Com a experiência e alguma ambição, fui para outras paragens e para corridas maiores e com mais corredores e comecei a ouvir bocas destrutivas, algumas ofensivas e muito poucas de ânimo ou incentivo. Desde referências ao meu traseiro, passando por nomes circenses, perfilhações erróneas e piropos calcadores do espírito de que participar também é desporto, resolvi esmerar-me mais e aumentei a cadência do treino. E não é que resultou! Comecei a estar em grupos do meio do pelotão com vários atletas, alguns federados, pelo que as bocas eram generalizadas e dirigidas a ninguém em especial. Essa mudança fez-me tornar mais ambicioso e, a essa nova etapa desportiva juntaram-se mais amigos em especial o Olindo Dias que, duas vezes, estava ao meu lado a preparar a São Silvestre da Amadora, com treino na Matinha, em Queluz, e o retemperar do esforço com laranjas gamadas no jardim do Palácio de Queluz. Ah, pois! Quando o tempo estava mais primaveril, o treino era no areal de Carcavelos. Foi interessante porque, dava para queimar calorias, fortalecer os músculos das pernas e respirar ar fresco, pela manhã. Continuei com esta actividade até bem perto dos 35, na maioria das vezes a solo. Parei quando foram agravadas as gona-artroses, detectadas aos 18 anos e que me impediram de tentar uma carreira desportiva mais intensa e profissional. Coisas da vida. O destino não quis que eu fosse, não um Cristino Ronaldo, mas pelo menos um Calado!

Antes da corrida, tentei o râguebi, porque achei eu o futebol era pouco exigente em termos de massa muscular e movimentos corporais. Logo à partida, confrontei-me com um problema que, ainda hoje me afecta, mas no sentido inverso: O peso. Já não me recordo, do nome do treinador das camadas jovens do Técnico na altura, aí por volta de 1981. Quando fui ao primeiro treino com um amigo meu das tropelias notívagas que, praticava a modalidade, o senhor teve o desplante de se rir dos meus 80 quilos. Disse-me qualquer coisa como se quisesse jogar râguebi, a sério e sem problemas teria aumentar o peso, sob pena de me lesionar gravemente, em especial na zona dos rins, se fosse placado pelas laterias. Como me impressionava a compleição física e o porte dos jogadores séniores semi-profissionais dos clubes, cumpri um rigoroso programa, não de dieta mas de engorda, e pasme-se, em quatro meses aumentei 35 quilos, e o que é mais estranho é que só se via osso e algum músculo…

Nessa época, as equipas de tôpo eram o Benfica, a Agronomia, o CDUL e o Técnico, para referir aqueles que serviram para peladinhas de treino e que me acompanharam assiduamente durante esta experiência inolvidável. Aquilo era uma coisa à parte. Todos se conheciam porque eles eram na sua maioria estudantes universitários e colegas de curso, de bairro ou das festas estudantis. Depois, porque, ao contrário do que se possa imaginar, existe uma honradez desportiva, porque uma lesão pode ser grave e, sendo propositada, o futuro do causador fica, desde logo, marcado. Acresce, um outro factor que, parecendo de somenos importância, é fundamental: O convívio. Jogar râguebi não é atirar a oval, correr e apanhar a dita e com os outros matulões em cima. É, sobretudo, uma actividade física desgastante, bastante viril, é certo, mas que nos obriga a contar sempre com os colegas e com os adversários, pois se eles não entenderem que o que fizerem aos outros acontece-lhes a eles, o jogo torna-se violento. Sinceramente, nunca assisti a violência enquanto por lá andei. Saí dos treinos, por vezes amassado ms nunca ferido, como me aconteceu no futebol. E olhem que fui empurrado, agarrado, amassado, pisado e empurrado. Como, mesmo assim era rápido e dos mais leves, era integrante das linhas avançadas e tentava fazer pontos, fintando e esgueirando-me pelos intervalos dos defesas adversários, o que era fácil para mim pela velocidade que tinha na curta-distância. O problema que tinha era nas rotações e nas falhas na recepção. Por isso estava sempre no centro dos amontoados. Nessas situações, já são outros companheiros de esforço que tentam chegar à linha de golo e não os avançados velozes. Enfim, era o jogo.

Abandonei a modalidade, uma vez mais por motivos de saúde e, finalmente, percebi que jamais poderia ser um atleta profissional, ao contrário de alguns amigos e familiares que conseguiram carreiras no desporto. Do râguebi ficou o gosto pela camaradagem e pela união, bem como pela rapidez de raciocínio.      

A última modalidade que pratiquei foi as Damas. Sempre julguei que era um gajo com uma inteligência acima da média e com 16/17 anos pensei que ganhar muitas vezes nas Damas com os pais e amigos era um super-cérebro equiparado ao mestre Kasparov do Xadrez. Ilusão. Em três ou quatro torneios que participei fui sistematicamente eliminado nas duas primeiras rondas. Mesmo com o treino, pensava eu que, poderia desenvolver e tornar-me, mais competitivo. Aprendi, pelo contrário que terei sempre de contar com a esperteza, inteligência e experiência dos outros. Primeira grande lição de vida. Ainda hoje tenho isso presente. Não ligar ao que os outros dizem, mas pensar no que dizem e agir segundo o meu raciocínio, depois de avaliar as todas probabilidades. Quase que funciona sempre. Mas, como de fracassos e sucessos se vive, acaba por ser a forma de melhorar o nosso desempenho pessoal, social e colectivo. Ganhei uma única medalha, porque apesar de ser o penúltimo, havia medalhas para todos. Foi no desaparecido Grupo Desportivo dos TLP, empresa onde trabalhava o paizinho, que isso aconteceu. Cresci e deixei as Damas, até porque nos anos 80, surgiram mais jogos de inteligência como sejam o Master Mind, e quase de imediato, a meio da década os primeiros jogos Arcade de computador e outros que tais. Acabou-se. Cresci e nunca mais joguei essas coisas. Voltei agora aos 60, ou quase, aos novos jogos instalados a partir de APP, mas isso não é desporto. Pois não!    

Perdeu-se o atleta ganhou-se um escritor. Quer dizer, acho eu!   

Texto: Fernando de Sucena

Imagem: Google

OS CENTROS COMERCIAIS DA MINHA JUVENTUDE

 

Um centro comercial é, por excelência, um local onde se pode comprar, porque existe oferta para tal, muitos produtos e serviços variados, sem sair do mesmo local. Este conceito foi inovador cresceu depois do 25 de Abril pois, antes havia algumas lojas mais pequenas arrumadas, em espaços com o pomposo nome de galerias. Foi, por esta altura que, também, os supermercados cresceram em tamanho e número. Desse tempo pouco resta, quer em conceito quer em nome, e apenas o recém-extinto Pão de Açúcar, chegou ao século XXI.

Sou desse tempo. Do tempo em que os centros comerciais eram o máximo. Eram o must da juventude e das modas eram sempre pioneiros. Um dos exemplos de pioneirismo aconteceu com uma loja de excepção: A Loja das Calças. Tinha um anúncio com som do Fancy (“slice me nice”) que passava nos cinemas da zona. A loja vendia ganga de marcas conhecidas a preços baixos. Voltando ao assunto central: Os centros comerciais.

Começo com um dos mais bonitos de então na zona de Lisboa. Chamava-se LIBERSIL, e tinha uma loja de hambúrgueres brutal chamada Frog e que tinha generosas doses de suculenta carne picada com cogumelos. Tinha umas escadas rolantes com luzes, na parte de baixo das mesmas. Existiam múltiplos recantos floridos que encantavam os namoricos. Era de fácil acesso e nunca havia filas ou tempos de espera para aceder à restauração ou, a algumas das lojas mais conhecidas.

Do outro lado da Avenida da Liberdade, em Lisboa, existia e ainda existe, julgo, as GALERIAS PALLADIUM, que tinha uma loja de aluguer de equipamento e material áudio-visual que durante meses foi fornecedora dos serviços prestados pela ARTSOM, uma das empresas que criada por mim, na década de 80. Desse centro comercial, estreito e pequeno, pouco mais havia digno de destaque, pois, no fundo, era um centro comercial comum.

Completamemte diferente era o TERMINAL, que ocupava toda a área comercial da estação do Rossio. Tinha, a já referida Loja das Calças, onde trabalhou a minha ex-mulher. Havia uma de lojinha de miniaturas e uma discoteca com algumas das novidades mais recentes dos tops de então. O único problema era o excesso de pessoal a circular pelas escadas rolantes e pelas portas das três entradas da estação. Editaram um disco de plástico com a ‘banda sonora’ do mesmo que era oferecida aos clientes, num estilo de marketing original e que, até hoje, não foi remetido por mais nenhuma empresa do ramo.


 

De entre todos, tenho recordações de alguns dos mais interessantes e que ainda resistem, meio rombos, mas sobreviventes, no século XXI. Falo do APOLLO 70, onde só alguns dos subúrbios iam. Mas, o mais curioso, era o número de vezes que me deslocava lá, para trabalhos de fotocópia, pois a loja de reprografia era uma das minhas favoritas. Ainda em Lisboa, um dos meus favoritos, era o CENTRO COMERCIAL DE ALVALADE, onde me perdia naqueles corredores circulares, simétricos e que nos desorientavam. 

Na minha cidade de sempre, a Amadora, começei por frequentar o primeiro centro comercial que apareceu por lá: O CENTRO COMERCIAL DA AMADORA, mais conhecido por centro do morteiro, pois nos anos 70, caiu por engano um morteiro dos Comandos da Amadora. No entanto, o BABILÓNIA e O CENTRO COMERCIAL LIDO, foram sempre mais do meu agrado por motivos vários. O Centro Comercial Babilónia foi o mais utilizado por mim na minha vida. Tinha lojas de electrónica, cinema, lojas de desporto, discoteca, restaurantes e muito mais. Infelizmente, com a entrada no novo milénio, transformou-se no centro da monharia e dos telemóveis e da pretalhada e dos postiços. Desde há muitos anos, que evito de frequentar tal espaço degradante e quase degradado. No entanto, sempre utilizei, até ao fim de funcionamento, foi o complexo Lido. Discoteca, um cinema e um cine-estúdio. A discoteca era mais conhecida como Danceteria Lido e era uma das maiores do país. O centro comercial era relativamente pequeno mas, muito sossegado. Poderíamos ter uma conversa calma e tranquila durante horas.

No entanto, outros centros comerciais foram marcantes noutros locais, noutras épocas e noutros contextos. Durante uns anos fui assíduo frequentador do Centro Comercial de Faro, conhecido por FORUM ALGARVE. Neste, ao contrário de outros, era a variedade da comida que me cativou. Eram paladares muito diferentes dos que estava habituado até então. Que grandes pitéus, devorei por lá. Mesmo mais recentemente, na companhia da minha querida esposa Alexandra. Lá, o que é mais agradável é a arquitectura. Ambiente fresco, descontraído e com uma vista interessante.

No Porto, o que fui, frequentando durante alguns anos era o Centro Comercial BRASÍLIA. No entanto, curiosamente, a maior parte do tempo que passei na capital do Norte, desde o final dos anos 90, nunca fui a nenhum dos centros comerciais, porque para se conviver com amigos é noutras áreas, mais clássicas, tradicionais e intimistas. Os amigos merecem! Todavia, no século XXI sempre que fui a Braga, lá estava eu, no SHOPPING BRAGA PARQUE. Exceptuando as salas de cinema, com os horários diversificados, e a área da restauração, pouco ou nada de novo nas lojas e na área comercial. Era excelente, para passear nos dias mais frios, na companhia do maravilhoso sotaque das bracarenses e das próprias. Pois!

Não posso deixar de recordar, ainda o SHOPPING CACÉM - Centro Comercial, antes da invasão escura, onde ia algumas vezes saborear os gelados da Nestlé, sempre diferentes dos outros, e o Centro Comercial FONTE NOVA, onde trabalhei, como contínuo, e adorei a experiência. Belos empos…

Texto: Fernando de Sucena

Imagem: Google

O VIÚVO

 

Fiquei viúvo, já lá vão uns anos.

Foi a minha estreia nesse estado civil.

A situação ocorreu duma fatalidade que, não referirei por ser desnecessária, quando eu estava a caminhar para outro patamar acima, na escala dos entas.

Nunca pensei que ser viúvo fosse tão complicado. Não pela incapacidade pessoal para sobreviver autonomamente mas, pelo facto de tudo girar em torno da parvoíce dos outros e, sobretudo, das outras.

O passar do tempo além, do permitir a retenção das recordações e mágoas mais acintosas, permite igualmente, uma cedência à intromissão na nossa zona de conforto a terceiros.

A minha vida em casal sempre decorrera dentro da normalidade possível, dada pelos 35 anos de discussões e emoções. Nunca estivera na inconstância de uma desnecessária dependência do outro. Não. Tudo, era falado, acordado e executado a meias, em parceria.

Também no emprego, a minha vida era estável e direcionada para o labor. Nunca tinha tido relacionamentos extra-conjugais, tanto mais que, entre colegas de trabalho a coisa nunca funciona, ou raramente funciona bem.

Uns dias, depois das exéquias fúnebres, comecei a notar alterações no comportamento das pessoas. Neles e nelas. Eles, com uma insistência crescente para aceitar os convites para borgas e farras, como até então não existia. Elas, com olhares vivazes e sugestões de auxílio, caso eu, necessitasse de algo. Tudo isto vinha de pessoas que nunca tinha-as identificado como interessantes ou interessadas numa amizade mais ou menos desinteressada.

Os vizinhos, os conhecidos e os amigos do trabalho eram, em grande parte tipos de amantes, bordéis e grandes copofonias. Se eu andasse com eles, na paródia, sentir-me-ia deslocado daqueles ambientes e passaria, quase de certeza, por parvo ou atrofiado.

As vizinhas do prédio, maioritariamente divorciadas e viúvas, andavam sempre na busca de encosto e de amizades coloridas, sem compromisso.

Umas semanas depois, o avanço delas era mais ostensivo, em especial o das vizinhas, mais despidas, no elevador, na hora de ir pôr o lixo nos contentores, e com cumprimentos declaradamente atrevidos. O comportamento deles, pelo contrário, ficou mais frio e distante, com conversa sobre gajas, futebol, política e carros.

Com o passar de alguns meses, comecei a encontrar-me ao fim da tarde nos cafés e nas lojas do bairro, com elas, e nalguns casos a acompanhá-las no caminho de regresso a casa. Por vezes, com eles, a bebericar uns cafés ou vê-los nas áreas de repasto dos shoppings, por vezes com a família e com ar enjoado, outras vezes com as amantes e amigas desinibidas, e egoisticamente, a tentarem escondê-las dos olhares dos outros.

Ao fim de alguns anos, poucos, as coisas apimentaram com as conversas delas, mais directas às ofertas de companhia para um passeio de manutenção pelo parque e, quiçá, para uns jantaritos. O meu problema começou a quantidade relativamente grande da oferta, apesar da pouca qualidade disponível. Demasiado velhas ou feias para o meu gosto, magras ou gordas em excesso. As mais apelativas eram muito novas para mim, pelo que nem sequer me abordavam, ou eram familiares das outras e, por tal motivo, eram literalmente afastadas do olhar e das conversas.

Esta indecisão terrível, levou-me a falar com um antigo director da empresa, mais viúvo do que eu, e que me havia promovido, em troca do meu silêncio, pelas suas assediantes reuniões com o mulherio da empresa. Quase todas elas viviam em dependência absoluta de tudo e de todos. Logo, mais apalpadela, menos encosto, não fariam mossa. Ao explicar-lhe, em detalhe, o meu dilema, fui elucidado de como a coisa para os viúvos funcionava.

Em linhas gerais, disse-me que as divorciadas e viúvas, eram independentes, não queriam compromissos duradouros, porque estavam fartas de aturar companhias, e apenas pretendiam uns desempoeiramentos esporádicos. Simples. Assim mesmo. Deveria, apenas, evitar as solteironas, porque essas querem alcandorar-se no alto de um encosto. Isto deu-me que pensar durante umas horas.

Nos dias que se seguiram, comecei a focar-me na vizinha do quarto andar esquerdo, que diariamente, se exibia no elevador pelas vinte e uma horas, ao ir ao contentor dos reciclados, e que a cada dia mostrava mais pele. Gorda, com umas maminhas indescritíveis e com uma vontade de rebentar comigo que, nem lhes digo. A vontade de ambos durou umas três semanas até que, começou a mostrar-se enfastiada, aqui pelo figurão.

Seguiu-se a senhora do rés-do-chão direito. Balzaquiana bem-parecida, com uns lábios sensuais que, me reteve nos seus lençóis mais de um mês, com visitas minhas, quase diárias, ao seu quintal para recolher coisas que caiam da minha janela. Fartou-se de mim mas, não me importei. Por esta altura, já todo o bloco de apartamentos sabia que havia um viúvo apessoado e atiradiço à espera de quem quisesse conversar com o corpo.

Quando dei por mim, uns quatro anos depois, perto da data do meu aniversário número sessenta e nove, estava desde os últimos três meses a almoçar e a jantar fora, a passear sozinho e a dormir todos os dias com a vizinha quarentona, do prédio da frente, quase como se fossemos um casal. A mulher era bem- feita para a idade, tinha um apetite sexual inesgotável mas, extenuante para mim. Ponderei e resolvi que aquele sexo não era tudo na vida. Vim-me embora e regressei ao outro lado da rua, donde não deveria ter saído. 

Pensei na falecida.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pensei na rotina sexual com a dita. No mesmo paladar e gosto dela. Nas variantes possíveis, na desbragada loucura dos últimos anos, em oposição ao certinho do antes. Pensei e voltei a pensar.   

Conclui que as mulheres são mais loucas, insatisfeitas, esfomeadas e coleccionadoras de homens, do que os homens de mulheres. Nunca se fartam, querem sempre a perfeição e a satisfação plena. Até ser atingida essa fase, esgotam-nos. Secam-nos. Mirram-nos, especialmente, quando podem usufruir do sexo sem contratempos, sem contraceptivos, sem horários, sem pressas nem limitações. Quanto mais velhas, mais loucas. Por isso, são cada vez mais raros os viúvos que convivem, coniventemente, com as falsas ou verdadeiras viúvas ou separadas profissionais.

Por isso, percebi que o viúvo, se for esperto e gostar das mulheres, pode, com o espírito solidário, de forma desinteressada, ajudar as mulheres a serem mais felizes, mais satisfeitas e menos agrestes com a vida. Basta querer. Depois de um período de treino, é sempre a abrir…

Agora, estou com a vizinha do número trinta e sete, do quinto-frente. No ano em que enviuvei, ela era um ele, mas com umas operações ficou toda jeitosa, esta gaja de 52 anos. Acho que vou ficar por aqui, porque a avaria que tenho no mecanismo está, a fazer-me descobrir outras sensações que esta vizinha me acirrou. Demorei seis torres e cinquenta e sete vizinhas a descobrir que ser viúvo pode ser muito bom.

 

 

Texto: Fernando de Sucena

Imagem: Google  

 

O QUINTAL

 

 


Num destes dias estava no quintal, solarengo, quando passou por mim o trengo, que tinha a mania que era mulherengo. Cumprimentou-me o mostrengo, natural de Reguengo do Alviela, e andava sempre com piela, que tinha um podengo chamado Flamengo que irritava a minha cadela chamada Minela.

Falou de rameiras e de freiras e de outras baboseiras com asneiras pelo meio, no seio e no neto no recreio. Falou de malta sem eira nem beira, e de ir arranjar as botas caneleiras.

E recordou que antes de pendurar as chuteiras, vendia os frutos das figueiras, macieiras, laranjeiras e oliveiras, nas feiras, e que cuidava de palmeiras na vivenda das herdeiras lá da terra, na Serra, onde se enterra o passado e assim e assado.

O sujeito fora suspeito de ter escapulido, qual foragido, a um mandado de detenção, por falsificação. Por isso, deixara o futebol mas, mantinha o cachecol tricolor, já com mancha de bolor numa ponta, feita tonta.

Entretanto, o sol encolheu e o fulano todo ufano, escolheu, ir embora. Agora!

 

Texto: Fernando de Sucena                                            

Imagem: Google