terça-feira, 8 de junho de 2021

CREDO!

 

Um dia destes, há algum tempo atrás, ao fim da tarde com o sol de frente a tolher a visão e com os olhos a pestanejar, a lacrimejar e fiquei banzado com aquele cavalo estonteante. Continuei a emborcar e cada vez mais embeiçado pela dama. O álcool tolda o discernimento, mas só me apercebi disso na manhã do dia seguinte.

Depois, na ressaca, é que confirmei o anteriormente falado. Ao despertar, ia morrendo de susto, aquela senhora vistosa e atractiva, que conhecera na esplanada, desaparecera e em seu lugar surgira aquele mostrengo. Ainda procurei com o olhar pela mulher por quem me embeicei na véspera, mas… Nada.

Aquela horrorosa criatura, enganara-me bem enganadinho. Toda artilhada e montada, parecia uma coisa, No remanso do lar, era bem diferente, Credo! Para dormir a mulher teve de se aliviar de preconceitos, manias e pressões. Tirou a peruca loura, desmontou as pestanas postiças, retirou as lentes de contacto de um azul cristalino e, deixou à mostra uns olhos de um castanho, cor-de-burro-quando-foge. Limpou o rímel, a base, a placa dentária e o aparelho auditivo e colocou-os em cima da mesa-de-cabeceira. Além disso, tirou o soutien com mamas de silicone incorporadas, uma cinta com silicone nas nádegas e reforço enganador na virilha, que dependurou na cadeirinha que estava estrategicamente colocada aos pés da cama, num recanto junto da cómoda. Antes de me pirar depressa dali, aproveitando a ida dela à casa-de-banho, enquanto recolhia as minhas vestimentas e bens, ainda vislumbrei uns collants encardidos que lhe tapavam as peludas pernas. As únicas coisas naturais nela, era o estrabismo, os pés tortos, um dedo a menos numa mão e uma cicatriz enorme na barriga, donde saía um tubinho com um saquito agarrado.

Chiça! Credo! Porra!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Texto: Fernando de Sucena – 1997 (recomposto e revisto 2020)

Imagem: Google

 

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