sexta-feira, 17 de abril de 2020

A ESCOLA DA MINHA INFÂNCIA


Nos idos e saudosos anos 60, do outro século, o percurso escolar da canalha tinha a ver com o concluir a escola básica. Seria bom, ir-se até ao final do básico (hoje) Escola Primária, 4ª classe, e 2º ano do Ciclo Preparatório (antes). Com um bocado de esforço, e motivação tirar o 5º ano (antes) ou 9º ano unificado (agora) e com muito esforço, mas mesmo muito, dinheiro aplicação e com a ajuda de Deus, o Ensino Superior ou a Universidade. Quem não gostasse de estudar muito poderia seguir o Ensino Profissional. Mais tarde, isto foi rebaptizado em Via Ensino e Via Profissional.
Bom, mas estas clarificações poderão ser avaliadas consultando os milhares de páginas disponibilizadas pelo Google. O que interessa nesta coisa é o ensino imediatamente ante e pós o golpe de estado abrilista.
Quando se deu o malfadado golpe de 25 de Abril estava aqui, o catraio, a semanas de terminar o 2º ano do Ciclo Preparatório. Devido a esse acidente da História portuguesa, e como estava aflito para transitar de ano, mas tinha uma média positiva, graças ao bom desempenho em quatro disciplinas que sempre me agradaram (Ciências, História, Desenho e Português) lá consegui, à rasquinha, passar mesmo sem aulas durante uns dias – onde é que já vi isto? –.
Transitei de uns pavilhões pré-fabricados verdes, frios e desconfortáveis que existiram em frente à Academia Militar, na Amadora, (demolidos para dar origem aos prédios que lá estão) para uns outros, na Venteira, ao lado do pavilhão desportivo do Bairro do Janeiro. Sempre a mudar a sermos desestabilizados, já época marcelista.
Mal preparado e muito fechadinho em termos sociais, a minha chegada ao Liceu (era assim que as escolas do secundário se chamavam) foi um choque. Semelhante ao que acontece com esta malta de agora. Quando, entram no secundário começa o massacre mental aos pais, as mudanças comportamentais, a ansiedade a revolta da putalhada. Foi aqui que tive a primeira turma mista e estraguei o tino, com tanta pita para conviver. Um choque!...
Comigo não foi diferente, com a diferença de que essa transição ocorreu numa época irrepetível e que alienou toda a gente. Toda a sociedade. Todo o país. Foi a época dos saneamentos de professores, das manifestações de estudantes por tudo e por nada, da escassez de salas de aula, de livros, de professores, mas não de charros, de furos, de baldas e sei lá que mais.
Dessa época guardo 5 anos para concluir dois e com mau aproveitamento e comportamento. Tudo mudou com os 18 anos e a ida para o ensino nocturno, nos anos 80 e no Liceu de Queluz, onde acabei o secundário, como Trabalhador-Estudante, excelente coisa que agora, infelizmente, não existe mais e foi substituído por essas aberrações de EFA e CRVCC. Sinceramente, deram cabo do país.
Nesses conturbados anos, em especial 1974/1975 foi a época das cargas policiais contra o pessoal do MRPP (onde abri os olhos em quase todos os sentidos), da UEC e duma JC bem musculada. Das batalhas campais à pedrada no Liceu, dentro e fora com a pontaria falha, atirávamos calhaus dos telhados dos antigos pavilhões escolares, nós, o pessoal (maçaricos nestas mudanças) obedecíamos aos gabirus maduros de 18 ou 19 anos que por lá andavam, se arrastavam e papavam as miúdas todas. E malta, era de invadir comboios na Amadora para irmo-nos juntar às manifestações que decorriam em Lisboa. Era um fartote. Tudo à pala e tudo a berrar por coisas que já nem me lembro mas que cheiravam a esquerdistas. Tudo o que servia para faltarmos às aulas, que não eram tão intensas como agora e nem tínhamos tanta informação disponível como agora. As baldas mais fixes eram, sobretudo às disciplinas de Moral e Religião, Educação Física e Educação Musical.
Desse tempos em que os professores, desgraçados, eram agredidos por não passarem alunos, pelos próprios, saneados pelos directores das escolas, enxovalhados pelos pais dos alunos que só faziam merda (muito pior do que a que estes imberbes imbecis nomofóbicos fazem agora). Enfim, uma trapalhada monumental.
Desses magníficos e ímpares tempos guardo a recordação de, na Amadora, tudo ser extremado. Embora sendo eu filho de uma classe média-baixa trabalhadora, nunca fui integrado pelos betos abonados, mas também não fui muito confrontado pelos pobretanas que invadiam as escolas vindos das barracas da Brandoa e da Ribeira da Falagueira, perto de onde eu morava, pelos ciganos que invadiam os recreios das escolas primárias pelo menos na 1ª e na 2ª classe. Na primária os professores davam ponteirada, reguadas às carradas e, alguns tabefes, cachaporradas no cachaço e, por vezes, pontapés. Essa agressividade fez com o respeito a Deus, à Pátria e à Autoridade fosse resistindo até aos dias de hoje e nos tornássemos os governantes da actualidade, os protestantes do presente, os vigaristas de agora e os inconformados resilientes do futuro imediato.
Se, isto não nos matou, se a droga não nos destruiu a todos, então não vai ser o Covi-19 a derrubar esta geração, que venceu a tuberculose, a fome, o racionamento e as filas, que tomava óleo de fígado de bacalhau, vacinas às carradas, ia aos endireitas, às mezinhas dos farmacêuticos, mas sobretudo ouvia os professores. Acabámos nisto mas, leitores, até foram uns 55 ou 60 anos bem vividos. Lá isso, foram.
Liceu da Amadora 25/4/1975
Texto: Fernando de Sucena
Imagem: Google

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