O que faz um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais?
Podia ser apenas o trivial. Ler um jornal, beber um fino ou uma bica e olhar para a televisão, ler um livro ao som da música ambiente, ou, simplesmente, pensar, cogitar sobre coisas.
Já lá vai o tempo em que, o estar num café, com amigos a conversar, era excelente. Agora está-se em companhia da solidão, mesmo que num amontoado de gente. Os telemóveis vieram isolar ainda mais. Com eles as pessoas desconfiadas tornaram-se cínicas, mentirosas, falsas.
Se, no inverno, num recanto do café, e refiro-me ao meu café de eleição para escrever, O Granier do Campo Grande, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, é mais propenso à introspecção e ao intuir ideias e pensamentos. No Verão, pelo contrário, é a divagação que se sobrepõe ao demais.
O que faz um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais?
Quando escreve, pensa, repensa, repisa, esmiuça as palavras com convicção e hesitações compondo com delicadeza sublime cada linha. O aconchego do canto, onde estou, e o espraiar o olhar por ambientes melancólicos, chuvosos e penumbrosos no exterior das montras, embaciadas a isso levam, porque o tempo opaco de Inverno não distrai.
Quando se escreve, no ambiente solarengo e excitante do Verão, cada palavra não só é pensada, repensada, repisada, esmiuçada, como passa a ser rescrita inúmeras vezes, pela dispersão do olhar. Mulheres bamboleantes, carnudas e gingonas, impedem a concentração. Peitos e pernas de múltiplas formas desnudadas, levam a desvarios subtis do pensamento, desconcentrando, perturbando, atrofiando o racional.
O que faz um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais?
Ao invés de utilizar o éter para estar a navegar pela net, pelos sítios e redes sociais, o verdadeiro apreciador dos cafés, serve-se deles para esboçar, desde um sorriso, a um alçado, ou a um poema. Utiliza o teclado e o estar só. Neste caso, a simpatia do Pedro, quando as ideias fugidias se esgueiram ainda mais, reforça, pelo improviso súbito, algumas palavras.
Eu, aqui só, absorto nos meus pensamentos, e ele embrenhado na sua função. Sabemos da existência um do outro, mas deixando o espírito de ambos divagar pelo espaço. A função dele é mais importante do que a minha, porque ajuda-me a subsistir na criatividade, ou na ausência dela. Por vezes, acordo da banalidade e boçalidade com um comentário do Pedro. É isto que o estar sozinho num café tem de bom. Nunca se está só. Completamente só.
O que faz um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais?
Pensa, matuta nos pensamentos por mais singelos ou ignóbeis que sejam. Pensar significa que estamos vivos e se estamos vivos temos de pensar. É um ciclo eterno da interminável saga do ser e estarmos vivos. Filósofos e escritores, com ou sem poesia, escreveram incontáveis páginas sobre a temática.
Sobre tal, o incontornável Fernando Pessoa, outra pessoa chamada Fernando, escreveu “a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim (ele), pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.”
Escrever, além de ser um acto criativo é, sobretudo, uma forma de libertar o que sente a alma. A alma espelha o que os olhos vêem. Se, os olhos são o espelho da alma, então o escrever terá de ser, sempre, uma forma de sentir o mundo, e neste recanto escondido, no Granier, tudo se mistura e dilui num impulso, num pensamento.
O que faz um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais?
Pode apenas, e tão só, nada fazer e recordar, angustiadamente, o ido passado, quando todos se juntavam em torno de mesas ou em linha nos balcões, a discutir, a falar de futebol, carros, modas, mulheres, comidas, viagens e pouca política. O tempo de outrora, mesmo nos cafés, leitarias ou tascas, era gasto em salutar cavaquice, onde sempre se aprendiam coisas e se tiravam teimas aguerridas entre teimosos, casmurros, embirrantes, provocadores e desconversadores, agitando o ambiente e fazendo irritar os mais pacatos, silenciosos e conversadores. Era um ambiente fantástico, sem dúvida.
O que faz um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais?
Desde que tenha tempo, para desfrutar dele, pode fazer muita coisa. Com a pandemia, e a impossibilidade de ler jornais, à borla, ainda mais incómoda focou a situação de quem se refugia nestes espaços para sair de casa, da sua zona de conforto e ver pessoas, quaisquer, desconhecidos, sobretudo.
Enfim, um homem meio caduco, maduro, intelectual de café, num destes locais, faz coisa nenhuma, nada. Passa o tempo, que é única coisa sem preço e que podemos usar como nos aprazer. De preferência num espaço em que nos sentamos bem, e com ambiente descontraído que nos leve a pensar e, sobretudo, a cogitar nas coisas da vida, do passado e do futuro. Principalmente no futuro…
Texto: Fernando de Sucena
Imagem: Google